Carta 69

Não me agrada que andes sempre a mudar de terra, a saltitar de lugar para lugar, primeiro porque tão frequentes mudanças denotam um ùnimo inståvel: nunca te sentirås firme na tua vida privada se primeiro não pÔes fim a essas deambulaçÔes indecisas! Se queres dominar o teu espírito começa por deter as peregrinaçÔes do teu corpo.

Depois, porque os remédios são sobretudo eficazes se aplicados com continuidade: a tranquilidade, o esquecimento do teu tipo anterior de vida não admitem interrupçÔes. Deixa que os teus olhos desaprendam, deixa que os teus ouvidos se acostumem a princípios mais sãos.

De cada vez que te deslocares, encontrarås no trajeto muita coisa capaz de reavivar os teus desejos.

Quem se esforça por libertar-se de uma paixão deve evitar tudo quanto lhe lembre a pessoa amada (pois nada recrudesce tão rapidamente como o amor); do mesmo modo farå quem deseje libertar-se dos desejos que antes o inflamavam, afastando os olhos e os ouvidos dos seus interesses passados.

A paixĂŁo Ă© fĂĄcil de reacender. Onde quer que lance o olhar nĂŁo terĂĄ dificuldade em descobrir alguma vantagem no tipo de ocupação em que se comprazia. Nenhum mal existe que nĂŁo ofereça a sua compensação! A avareza promete a posse de riquezas, a libertinagem acena com as mais diversas espĂ©cies de prazer, a ambição alicia com a pĂșrpura, os aplausos, o acesso ao poder e a tudo a que o poder dĂĄ lugar.

Os vĂ­cios tentam-te oferecendo paga em troca; na vida privada terĂĄs de prescindir de salĂĄrio! Ainda que vivesses um sĂ©culo, a custo conseguirias refrear por completo os vĂ­cios que uma duradoura permissividade deixou desenvolver; pior ainda se a tal tarefa apenas dedicares os intervalos de uma existĂȘncia jĂĄ tĂŁo curta!

Somente uma aturada e atenta vigilùncia permite que levemos à perfeição aquilo que nos propomos realizar. Se tu estås mesmo disposto a escutar os meus conselhos, então medita sem descanso até te habituares a aceitar a morte, ou mesmo, se tanto for necessårio, a te antecipares a ela.

Que a morte venha ter conosco ou que vamos nĂłs ao seu encontro, nĂŁo tem a mĂ­nima importĂąncia. HĂĄ quem diga: “A coisa mais bela Ă© morrer de morte natural!” Convence-te de que esta frase é um absurdo enunciado de um espĂ­rito o mais inepto possĂ­vel.

Ninguém morre senão de morte natural!

Em outra coisa ainda deverås meditar: ninguém morre senão no seu próprio dia.

Do teu tempo, nunca perderås um segundo, pois todo o tempo que sobra jå te não pertence!

Passar Bem!

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