Carta 52

Que tendĂȘncia Ă© esta, LucĂ­lio, que nos desvia do rumo pretendido, que nos empurra para o ponto donde pretendemos sair? Que debate se desenrola na nossa alma e nos impede de manter uma vontade firme?

Andamos à deriva entre resoluçÔes contrårias; não conseguimos ser fiéis a uma vontade livre, absoluta, constante. Dirås tu que é prova de insensatez não ter um propósito contínuo, um interesse permanente.

Mas dessa insensatez como e quando nos conseguiremos libertar? Por si sĂł, ninguĂ©m conseguirĂĄ qualidade onde a obra pode avançar sem problemas. O outro vĂȘ-se a braços com um solo mole e friĂĄvel e sĂł Ă  custa de imenso esforço consegue atingir uma base sĂłlida onde assentar as fundaçÔes do edifĂ­cio.

Para o observador, a obra do primeiro****** lacuna ; quanto ao segundo, a parte **mais importante e difícil** do seu trabalho **fica oculta**.

Semelhantemente, enquanto certos espíritos são abertos e receptivos, outros precisam, como soe dizer-se, de ser modelados à mão, de gastarem nas fundaçÔes o melhor do seu esforço.

Por essa razão eu considero mais afortunado o homem que não teve problemas com o seu caråcter, mas acho mais digno de apreço o que teve de vencer os seus defeitos naturais para alcançar a sabedoria, ou melhor,para se elevar até ela à força de pulsos.

Fica sabendo que o nosso espĂ­rito Ă© deste Ășltimo tipo: duro e trabalhoso. Caminhamos atravĂ©s de obstĂĄculos. Lutemos, portanto, sem temer pedir o auxĂ­lio alheio. PerguntarĂĄs:

“Mas a quem, a quem hei-de pedir auxílio?”

Se queres um conselho, dirige-te aos antigos, que estão disponíveis: para nos auxiliar tanto podemos recorrer aos vivos como aos mortos.

De entre os vivos, devemos escolher nĂŁo aqueles que tĂȘm o verbo fĂĄcil e corrente, que repisam lugares comuns e se exibem em cĂ­rculos restritos, mas sim os que comprovam as suas palavras com os prĂłprios atos e ensinam o que devemos evitar sem nunca serem apanhados a fazer o que condenam.

Em suma, escolhe para teu mestre alguĂ©m que te mereça admiração pelas açÔes e nĂŁo pelas palavras. Isto nĂŁo quer dizer que eu te proĂ­ba de escutar aqueles filĂłsofos que tĂȘm o hĂĄbito de dissertar em pĂșblico, desde que no contato com a multidĂŁo, eles tenham por objetivo conseguir o aperfeiçoamento tanto do auditĂłrio como de si prĂłprios, e nĂŁo sejam movidos por propĂłsitos interesseiros.

NĂŁo hĂĄ nada mais vil do que um filĂłsofo em busca de aplausos! SerĂĄ que algum doente dĂĄ palmas ao cirurgiĂŁo que o opera? Guardai um silĂȘncio respeitoso, recebei de bom grado a cura que a filosofia vos dĂĄ.

Se soltardes exclamaçÔes, interpretå-las-ei como um gemido provocado por sentirdes o dedo na ferida dos vossos vícios. A vossa intenção é mostrar-vos atentos e abalados pela grandeza do assunto? Muito bem: mas se a vossa ideia é exprimir um juízo de valor sobre quem vale mais do que vós, como posso eu permitir-vos os aplausos?

Os discĂ­pulos de PitĂĄgoras eram obrigados ao silĂȘncio durante cinco anos: julgas que, passado o prazo, eles tinham logo licença para falar e aplaudir?

Que perfeita loucura a do homem que termina a sua conferĂȘncia sorrindo satisfeito entre os aplausos dos ignorantes! Que satisfação te podem dar os aplausos de gente que tu nĂŁo tens motivo para aplaudir?

Fabiano costumava dissertar em pĂșblico, mas era escutado com respeito. Se por vezes se fazia ouvir o aplauso da assistĂȘncia, tal aplauso era provocado pela elevação da matĂ©ria, e nĂŁo pela composição brilhante e harmoniosa do discurso.

Tem de haver uma diferença entre os aplausos no teatro e na escola: mesmo a aplaudir hå que guardar a justa medida. Se bem observarmos, os mais pequenos pormenores podem ser elucidativos, em qualquer situação.

Por exemplo, o mínimo gesto pode servir de indício da moralidade das pessoas. Assim, o homem depravado denuncia-se pelo modo de andar, pelos gestos, por um aparte ocasional, pelo levar do dedo à testa, pelo revirar dos olhos; o aldrabão trai-se pelo modo de rir, o louco, pelo rosto e pelas atitudes.

Todos estes defeitos se notam por certas marcas perceptíveis: se quiseres conhecer o caråter de um homem observa como ele distribui ou provoca os aplausos.

Em todo o auditĂłrio estalam as palmas ao filĂłsofo, o seu vulto perde-se entre a multidĂŁo de admiradores entusiastas: pois bem, mais do que admiradores, sĂŁo autĂȘnticas carpideiras quem o estĂĄ aplaudindo. Deixemos esses clamores para aquelas artes que tĂȘm por finalidade agradar Ă s massas: a filosofia tem de ser adorada em silĂȘncio.

Uma vez por outra pode permitir-se aos jovens que cedam ao impulso, por serem incapazes de ficar em silĂȘncio. Este tipo de aplauso pode servir de incitamento Ă  prĂłpria assistĂȘncia e de estĂ­mulo ao espĂ­rito dos jovens. Mas importa que eles se entusiasmem com a matĂ©ria, nĂŁo com o estilo do discurso; de outro modo a eloquĂȘncia, suscitando o interesse nĂŁo pelo assunto mas por ela prĂłpria, sĂł poderĂĄ ser-lhes nociva.

Por agora, ponto final nesta questĂŁo. O modo de falar da filosofia em pĂșblico, aquilo que o filĂłsofo se pode permitir em pĂșblico e ao pĂșblico, Ă© assunto que necessita de uma explanação completa e longa.

Que a filosofia se degradou ao entregar-se Ă s massas, disso nĂŁo hĂĄ qualquer dĂșvida. PoderĂĄ, todavia, revelar-se no seu santuĂĄrio prĂłprio desde que para tanto se confie aos sacerdotes e nĂŁo aos vendilhĂ”es !

Passar Bem!

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