Carta 61
Deixemos de desejar aquilo que já algum dia quisemos. Eu, por minha parte, faço o possível por não ter em velho os desejos que tinha em garoto. Os meus dias e as minhas noites, os meus esforços e pensamentos têm como objetivo pôr termo aos meus antigos defeitos.
Procedo de modo a que cada dia seja o equivalente de uma vida inteira; mas, Hércules me valha!, não me apresso a gozá-lo como se fosse o último, apenas o encaro como se pudesse ser de fato o meu último dia!
Escrevo-te esta carta com a disposição de espírito de alguém a quem a morte vai surpreender no momento em que escreve. Estou preparado para partir, e assim gozo tanto mais a vida quanto menos me preocupa saber quanto tempo o futuro ainda me reserva.
Antes de atingir a velhice tive a preocupação de viver bem, agora que sou velho preocupo-me em morrer bem; e morrer bem significa ser capaz de aceitar a morte.
Toma bem atenção a nunca fazeres nada contrariado: a mesma coisa que, para quem tenta opor-se-lhe, é uma necessidade imperiosa, deixará de o ser para quem voluntariamente a aceita. É o que te digo: quem cumpre de boa vontade uma ordem evita o mais amargo aspecto da servidão, que é fazer alguma coisa contra vontade.
Ninguém é infeliz quando faz algo porque o mandam, mas sim quando o faz de má vontade. Preparemos, portanto, a nossa alma para fazer voluntariamente o que as circunstâncias de nós exigirem, e, para começar, pensemos sem amargura no nosso próprio fim. A preparação para a morte tem prioridade sobre a preparação para a vida.
Esta dispõe de recursos suficientes, nós é que nos precipitamos com demasiada avidez sobre esses recursos: por isso mesmo nos parece, e sempre parecerá, que alguma coisa nos falta!
Para que a vida seja suficiente, o que conta não são os anos nem os dias, mas a qualidade da alma. Eu já vivi o suficiente, meu caro Lucílio. Posso aguardar a morte plenamente saciado.
Passar bem!