Carta 60
Estou triste, estou zangado, estou furioso contigo! Então tu continuas a formular para ti os mesmos votos que a tua ama, o teu pedagogo ou a tua mãe?! Ainda não percebeste todo o mal que eles te desejaram?
Oh, como são contrários ao nosso bem os votos dos nossos familiares, e tanto mais contrários quanto mais bem sucedidos se verificaram na realidade!
Já não me espanta que os nossos defeitos nos acompanhem desde a primeira infância: pois se crescemos entre as maldições dos próprios pais! … Possam os deuses, de quando em quando, ouvir-nos falar sobre nós sem nada reclamarmos deles!
Até quando andaremos sempre a pedir qualquer coisa aos deuses? Parece que ainda não somos capazes de alimentar-nos sozinhos! Quanto tempo ainda encheremos de plantações áreas tão grandes como cidades? Quanto tempo ainda andará todo o povo a ceifar para nós? Quanto tempo ainda para serviço de uma única mesa, andarão a pescar em vários mares tantos barcos?
O touro fica saciado com uma pastagem de meia-dúzia de geiras; uma única floresta é bastante para inúmeros elefantes; o homem, para se alimentar, precisa da terra toda e de todo o mar! Pois quê? A natureza, que nos dotou de um corpo tão exíguo, deu-nos um ventre assim tão insaciável que supera a avidez dos mais corpulentos e vorazes animais? De modo algum!
Como é insignificante o que basta para satisfazer a natureza!… Ela contenta-se com pouco. Não é a fome, mas a ostentação, que nos força a tais despesas com o estômago. Pois bem, incluamos esses homens a quem Salústio chama “os escravos do estômago” (1) no rol dos animais, e não no número de seres humanos, e alguns, até, nem sequer no rol dos animais, mas no dos mortos!
Estar vivo é ser útil aos outros, estar vivo é saber tirar partido de si próprio. Esses homens que levam uma vida obscura e de moleza, fazem da sua casa um sepulcro …
À entrada seria justo que gravássemos o seu nome numa lápide:(2) são homens que se anteciparam à sua própria morte!
Passar Bem!
(1) No De con. Catilinae, 1, 1 Salúscio compara os homens que passam a vida na obscuridade a animais “escravos do estômago”.
(2) CT. a observação de Séneca em 55, 4 a propósito de Servílio Vária.